sábado, 3 de novembro de 2012

Notícias do Jaime.. Como a crise do euro dilacera a Europa – e como a liga.


De novo as notícias do Jaime e a continuação da sua tradução do livro de Ulrich Beck ,A Europa alemã. Novas paisagens de poder sob o signo da crise, das paginas 18 a 20.
Deixo aqui o link do post anterior.
Partilhemos pois a forma lúcida de Beck ver a Europa "sob o signo da crise"...



I. Como a crise do euro dilacera a Europa – e como a liga [12-25]

3. A cegueira da Economia [18-20]

     Em face da impossibilidade de se saber, ao certo, e da dificuldade de destrinçar as coisas que as modernas sociedades de risco produzem, por assim dizer, automaticamente – e para nos oferecerem orientação, nesta selva gnoseológica, estão disponíveis, hoje, multidões de especialistas, ou expertos, como agora se diz. E é verdade que os economistas, ao  pronunciarem-se sobre a crise, contribuem para tornar o mundo mais compreensível. No entanto os que «entendem o capital» (12) estão a reduzir, agora, de uma maneira estranha, a complexidade dos mercados financeiros globais: personalizam e emocionalizam o que acontece nos mercados, introduzindo conceitos sobre o estado de saúde – tirados de manuais de diagnósticos terapêuticos – na linguagem da bolsa, cunhada segundo parâmetros racionais. É por isso que lemos expressões como: nos mercados «os nervos estão à flor da pele», não se deixam «enganar», são «tímidos», estão «nervosos» e têm propensão para «reacções de pânico».
     Também se poderia dizer: a perspectiva económica, em termos sociais e políticos, é cega e causa a cegueira, os conselhos das Ciências Económicas, que dominam a discussão, assentam num «analfabetismo» político-social (Wolfgang Münchau). (13) Esta cegueira deriva, possivelmente, do facto de os economistas contemplarem o mundo sempre através de uns modelos quaisquer – e, se os modelos não se ajustarem à realidade, surge um problema. Wolfgang Münchau, no Financial Times, pôs o dedo na ferida:

«Os macro-economistas, em geral, não dispõem de um modelo adequado para a União Monetária Europeia. Confundem-na com um chamado «loose fixed-exchange-rate system» [ou seja, uma união monetária em que as cotações estão fixadas de acordo com determinados [19] parâmetros directores; UB], ou com um país com uma moeda única, portanto com sistemas para os quais dispõem de modelos. A uma união monetária, porém, não se podem aplicar estes modelos, por ela não ser nem um Estado, nem um acordo flexível combinado entre Estados, no qual os Estados-membro continuem a exercer a sua plena soberania. [...] É certo que continua a haver [nos respectivos acordos; UB] algum espaço de manobra para a adesão de Estados que, como a Dinamarca ou a Grã-Bretanha, decidiram não entrar já para o euro. Não há, porém, o mínimo espaço de manobra para a saída de um ou de mais países.» (14)

     É, precisamente, com base neste último ponto que se pode mostrar, com muita clareza, como os especialistas de Ciências Económicas estão a induzir em erro, com as suas propostas, tanto a área pública como a política. Muitos manifestam-se como se a saída da Grécia do euro fosse a solução. Depois – como está implícito, ou explícito, nesta mensagem – os Alemães deixariam de ter de «se sacrificar», em termos financeiros, por causa dos Gregos. Estas asserções, porém, têm pernas curtas e estão até mesmo erradas, pelo menos por quatro motivos:
     Primeiro: A saída de um Estado-membro do euro não está regulamentada. Poderia, quando muito, ocorrer apenas a pedido do país em causa. Os Gregos, porém, na sua maioria, querem continuar a fazer parte da união monetária.
     Segundo: Um retorno dos Gregos ao dracma provocaria um corte da dívida que iria afectar bancos e empresas, em todo o mundo – antes de mais as instituições financeiras alemãs, francesas e americanas que, anteriormente, tinham investido nas dívidas estatais gregas que eram, nessa altura, um negócio «favorável». Isto quer então dizer, na verdade, que uma saída dos Gregos da Zona Euro poderia desencadear, de novo, o perigo duma crise como a que foi provocada pela bancarrota do Banco Lehman Brothers.   
     Terceiro: Mesmo que os Gregos, no caso de saírem do euro, não viessem a receber quaisquer transferências do “chapéu de chuva” de protecção europeu, continuariam a ter direito, como país da União Europeia em dificuldades, a receber ajuda (o que, de resto, é o motivo por que os Britânicos são, de forma tão veemente, a favor de “eurobonds” [20] e da permanência da Grécia na Zona Euro – já que, de outro modo, também teriam de contribuir para essa ajuda). Como ninguém pode estar interessado em que a Grécia se afunde no caos e na anarquia – ou até que se torne, de novo, uma ditadura militar – os restantes membros da UE seriam obrigados a apoiar o Estado grego com somas que, ainda hoje, são inimagináveis e estão também por contabilizar. Os custos sociais que o retrocesso para o nacionalismo, talvez até mesmo também para a xenofobia, a violência e a ditadura iriam causar aos próprios Gregos, mas igualmente aos restantes Europeus e à comunidade mundial – é assunto que a perspectiva meramente economicista não pode, nem quer tomar em consideração. Por este motivo também ninguém está, realmente, em condições de poder «calcular» o que nos iria sair mais caro: se a permanência ou a saída da Grécia do euro.
     Quarto: Portanto faria muito mais sentido discutir se os Gregos não deveriam sair não só do euro mas também da UE. Um tal passo, porém, iria ter, antes de mais, consequências fatais para a própria Grécia, por ir ficar arredada do acesso a recursos de sobrevivência vitais (por exemplo, os fundos de fomento agrário da UE). Um tal passo, porém, teria igualmente consequências graves para os restantes Estados da UE, se tomarmos em conta que a Grécia (a par de países como a Espanha, a Itália, Portugal, etc.) protege a fronteira externa da União.
     O que uma saída do euro por parte da Grécia, ou de outros Estados endividados, iria, realmente, custar, não se torna portanto visível a partir dos modelos abstractos dos economistas: quem tiver feito poupanças perde grande parte do seu património, o Estado corre o risco de ficar arruinado, as camadas médias da sociedade de ficarem empobrecidas, os pobres ficam ameaçados pela exclusão social – e todos os Europeus ficam com um problema caro e de longa duração, em termos económicos, sociais e políticos. 

Tradução de Jaime Ferreira da Silva, professor universitário jubilado, Bochum
Fotografia de Ulrich Beck