quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Hoje, encontrei-me com Herberto Hélder ...

  Fui a Cascais, à feira da quarta- feira. Passei-lhe à porta. E, lembrei-me que Herberto teria feito anos este mês, como fariam Picasso, Álvaro Cunhal , José Saramago , estes três a 16 . . .  Herberto teria feito 90 anos dia 23.  Os astros lá sabem o porquê de tanta bênção . 

   O terror possui luz própria. Pensa-se com o terror. É inteligente, cuidadoso, hábil. O terror ensina-se a si mesmo, conduz a sua luz como uma tecedeira faz sair dos dedos a peça tecida. assim chega ele ao alçapão e levanta-o. Um último arremesso do corpo despenha-o sobre o linho. E então o homem descansa um pouco e põe-se a rolar sobre si próprio, para envolver-se completamente no linho.  Vai buscar ao medo a força de se envolver uma segunda e uma terceira vez, e ainda uma quarta vez, nas ramas de linho. Fica todo embrulhado no linho, menos a cabeça e os braços. 


Porque a cabeça e os braços estão intactos. E os braços servem para abrir a porta da arrecadação. A cabeça serve para o medo pensar. Arrima-se â parede, abre a porta e escorrega para fora. A noite não tem fundo.

   E então ele arrasta-se sobre a poeira fria. Uma ave grita em parte nenhuma, um vento fino passa nos arrozais, as pedras brilham sombriamente com o orvalho. É um túnel, a noite,  um túnel que ele conquista a sangue, a metro, pequenamente. O medo pensa: Tenho de chegar à primeira casa. É a casa do sacristão. Durante horas, que esse medo escoa muito devagar, o linho cobre-se de lama e sangue. Quando alcança a casa, o homem desmaia. Fica de bruços: esgotado, sangrento, aberto. O terror já não pensa.


Excerto de conto, AQUELE QUE DÁ A VIDA do livro  Herberto Helder Os Passos em Volta

"Retrato de Herberto Hélder", por Frederico Penteado