terça-feira, 12 de maio de 2009

Lembrar Guerra Junqueiro, um pequeno delírio ...





















O Padre Eterno está coberto de maselas,
E tu, (teu nome o atesta, ó bonzo), és uma delas.
Masella, escuta:

………….
Embaixador de quem? De Cristo? Não; do papa.
Quem é o papa?

Um Deus inventado à sucapa,
Um deus, para fazer o qual bastam apenas
Quatro coisas :- cardeais, papel, tinteiro e penas,
Deita-se numa saca uma lista qualquer,
Qualquer nome – Gregório. Ou Bórgia, ou Lacenaire,
Ou Papavoine – e pronto! Em dois minutos, fica
Manipulado um Deus autêntico, obra rica,
Tonsurado, sagrado,, infalível, divino…
Quer dizer, saiu Deus de uma bolsa do quino!
É um Deus por concurso, um deus feito por tretas,
E em cuja divindade ideal há favas pretas!
Apesar disso é Deus. Vai pousar-lhe no seio
O Espírito Santo, esse pombo correio
Da providência. É ele o redentor e o oráculo.
A humanidade vai adiante do seu báculo,
Soluçando, ululando, exausta, ensanguentada,
Pavoroso tropel de sombras pela estrada
Do destino fatal. O pensamento humano
É simplesmenete um cão sabujo e ultramontano,
Um cão vadio, um cão faminto, um cão impuro,
Que o papa recolheu de noite num monturo,
E a quem às vezes dá, com parcimónia bíblica,
A pitança dum Breve e o osso duma Encíclica.
Um papa é isto :- um juiz sem lei; omnipotente
Czar das consciências. Pode irremissivelmente
Chamuscá-las em fogo, ou torrá-las em brasas,
Ou fazer-lhes nascer das costas um par de asas.
O globo é para ele a bóia dum bilhar.
Domina os reis. O Trono é lacaio do Altar.
Seus templos são prisões e seus dogmas algemas.
Cingem-lhe a fronte augusta e nobre os três diademas,
E na potente mão, invencível harpéu,
Tem as chaves do inferno…e a gazúa do céu.

Excerto de Ao Núnc(io Massela, in A Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro)
Pinturas: De Vélasquez, Papa Inocêncio IX, de 1650 e Poppe de F. Bacon, segundo Vélasquez, 1950

2 comentários:

António Abreu disse...

Cinco pontos! Mais cinco pelo Mário Viegas.

:)))))

virita disse...

Ah fazes-me lembrar o meu pai ( um republicano de cepa) que sabia de cor poemas do Guerra Junqueiro! Ah do papa sempre adorei a papa ( sobretudo Maizena).Esta sim era a verdaeira PAPA!