I. Como a crise do
euro dilacera a Europa – e como a liga [12-25]
5. A crise da União
Europeia não é uma crise de endividamento [23-25]
A crise financeira fez surgir uma rotura
entre os países do Norte e os países do Sul da UE, que vai sendo agravada [24]
através das crescentes multidões de fugitivos e dos custos resultantes do seu
acolhimento. Efectivamente, os que fogem de perseguições, guerra civil e caos
não sobrecarregam a Europa, na sua totalidade, mas sim, sobretudo, os
funcionários das fronteiras dos países já mais enfraquecidos, como a Grécia, a
Espanha, a Itália e Portugal. No regulamento fronteiriço da UE está em vigor a
seguinte norma: o país onde chegam os fugitivos é também aquele em que tem de
ser aberto e encerrado o processo de asilo. Embora recebam quantias
compensatórias da UE, os países europeus meridionais sentem-se vítimas de um
abuso e abandonados pelos outros. Só assim se compreende o motivo por que, nos
países fronteiriços da Europa, financeiramente mais débeis, ocorrem cenas de
descontentamento e xenofobia, cada vez com maior frequência, atingindo até
dimensões de violência pura contra os fugitivos.
Manifesta-se, aqui, o que está, hoje, em
causa. Não se trata apenas de evitar o colapso do euro, mas de muito mais
ainda: o colapso dos valores europeus – cosmopolitismo, liberdade e tolerância.
Quem conceber a crise europeia como uma crise essencialmente económica, corre o
risco de não poder ver aquilo que está, de facto, em causa: a questão de fundar
uma Europa que esteja em condições de encontrar respostas para as mudanças
fundamentais e os grandes desafios que se nos deparam, sem regredir para a
xenofobia e a violência. Em primeiro plano, na crise europeia, parece girar
tudo em torno de dívidas, de déficites orçamentais, de problemas financeiros. A
questão fundamental, porém, a mais profunda, é a seguinte: Até que ponto pode,
deve e tem que ser, ou vir a ser, solidária a Europa?
Quem identificar a Europa com o euro... já
está a renunciar à Europa. A Europa é uma aliança de antigas culturas universais
e de potências hegemónicas, buscando uma saída para a sua história bélica. Na
altivez dos Europeus do Norte para com os Europeus do Sul, alegadamente
indolentes e indisciplinados, patenteia-se uma amnésia histórica e uma
ignorância cultural que põem a nu uma grande brutalidade. Será mesmo necessário
relembrar que a Grécia não é só país devedor, mas também o berço da Europa, das
suas ideias e dos seus valores? Será que os Alemães já não sabem até que ponto
a História da Cultura Alemã e a sua História da Filosofia são devedoras da
Antiguidade helénica?
Já Friedrich Nietzsche contrapôs à
estreita autocompreensão nacional [25] dos Alemães uma autocompreensão
europeia. «Não», reconhece Nietzsche, no seu livro Die fröhliche Wissenschaft (A Gaia Ciência), «nós [os apátridas] não somos [...] «alemães» o
tempo suficiente para [...] podermos sentir alegria nas cordiais sarnas e
septisemias nacionais com que, agora, na Europa, cada povo se isola dos outros,
como se estivesse em quarentena». Este filósofo alemão critica, com veemência,
«uma política que torna ermo o espírito alemão, ao envaidecê-lo» e propõe, como
alternativa: «Somos, numa palavra – e há-de ser a nossa palavra de honra! –, bons Europeus, os herdeiros da Europa,
os herdeiros ricos, opulentos, mas também sobrecarregados de deveres, de
milénios de espírito europeu»! (21)
Sem os valores da liberdade e da democracia,
sem a sua origem cultural e sem a sua dignidade – a Europa nada será.
Trabalho enviado por Jaime Ferreira da Silva , professor universitário jubilado, Bochum
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