"Vou no meu quarto ano de Figueira. Isto é um curso: no primeiro ano nem se conhecem condiscípulos, que são os outros banhistas. No segundo já há relações - não muitas, porque as disciplinas são absorventes e variadas: escolher banheiro, mercearia, farmácia para a pomada contra as queimaduras do sol e alguma tintura de iodo, conhecer as manhas da porta da casa alugada (uma ciência), etc. Até que, no terceiro, saudados logo à chegada pelo banheiro, pelo merceeiro, pelo rapaz do pão que nos dá o inútil bilhete de visita segurando o guiador da bicicleta, estamos quási formados (...)
Não me formei propriamente em Figueira da Foz (nome de Faculdade) mas em Palheiros, Universidade de Buarcos.(...) estudar o regime das nortadas, a psicologia das mulheres que vendem peixe e que nos saturam de sardinha, as laparotinhas que descem ao povoado com o cesto da fruta ou do feijão.
(...) O Dr. Oceano é na verdade a pessoa mais importante da Figueira. Emquanto gizo êste artigo êle muge atrás de mim. O crescente da lua estampa-se no céu. Abaixo uma esteira de luz, para cá, na areia, ondas que se desdobram como grupos de quatro atiradores deitados, que na carreira de tiro, à voz de 'fogo!' disparam ao alvo certo.
(...) No resto a Figueira é trivial e adorável como um híbrido de praia mundana e cidade de pequenos armadores. O turismo apregoa a parte confortável, recreativa e fresca do simpático produto, e tem para isso as razões especiais de todo o turismo moderno: boa esplanada, praia de aro imponente, casinos e cafés populosos, um delicioso ténnis instalado com muito gosto num forte abandonado das bombardas. Eu apego-me mais à Figueira de todo o ano, morta no Bairro Novo (...).
Não sei se êste interesse pela Figueira de inverno me veio de um romance de João Gaspar Simões, Amores Infelizes, em que a alma burguesa da cidade diz uma parte importante daquilo que tem a dizer."
por Vitorino Nemésio, in Diário de Lisboa - "A Banhos", 7 de Setembro de 1935.
Não me formei propriamente em Figueira da Foz (nome de Faculdade) mas em Palheiros, Universidade de Buarcos.(...) estudar o regime das nortadas, a psicologia das mulheres que vendem peixe e que nos saturam de sardinha, as laparotinhas que descem ao povoado com o cesto da fruta ou do feijão.
(...) O Dr. Oceano é na verdade a pessoa mais importante da Figueira. Emquanto gizo êste artigo êle muge atrás de mim. O crescente da lua estampa-se no céu. Abaixo uma esteira de luz, para cá, na areia, ondas que se desdobram como grupos de quatro atiradores deitados, que na carreira de tiro, à voz de 'fogo!' disparam ao alvo certo.
(...) No resto a Figueira é trivial e adorável como um híbrido de praia mundana e cidade de pequenos armadores. O turismo apregoa a parte confortável, recreativa e fresca do simpático produto, e tem para isso as razões especiais de todo o turismo moderno: boa esplanada, praia de aro imponente, casinos e cafés populosos, um delicioso ténnis instalado com muito gosto num forte abandonado das bombardas. Eu apego-me mais à Figueira de todo o ano, morta no Bairro Novo (...).
Não sei se êste interesse pela Figueira de inverno me veio de um romance de João Gaspar Simões, Amores Infelizes, em que a alma burguesa da cidade diz uma parte importante daquilo que tem a dizer."
por Vitorino Nemésio, in Diário de Lisboa - "A Banhos", 7 de Setembro de 1935.
1 comentário:
Mas que linda que está a tua mãe!
As minhas congratulações muito sinceras.
Foi um prazer ler Nemésio.
Beijinhos - muito solidários e amigos - para ambas.
Bom final deste fim de semana tempestuoso...
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