Expresso Curto de hoje e excerto da crónica de Elisabete Miranda
"Cruzei-me pela primeira vez com a Agustina na escola secundária. Eu andava em economia e uma amiga, que tinha enveredado pelas humanísticas, intimou-me a ler a Sibila. Eu que fazia as primeiras incursões pelos existencialistas, que tinha colocado o Virgílio Ferreira no pedestal de maior escritor vivo, não estava muito disposta a ceder tempo a clássicos que outros andavam a ler por obrigação curricular. Agustina, entusiasticamente emprestada, foi ficando de lado.
Quando me resolvi a dar uma oportunidade ao livro, as páginas estavam todas sublinhadas, ora a traço fino, ora a traço duplo, conferindo uma autoridade especial às frases, marcando-me o ritmo da leitura.
Algumas eram aforismos de assimilação fácil, como:
“São os espíritos superficiais que mais creem nos êxitos retumbantes, nas formulas fáceis para vencer” ,
“Ela não chorava, o silêncio era a sua única represália”,
“A morte de um velho não inspira dor a outro velho – inspira pânico”,
“Gosto das pessoas que são incapazes de deixar de ser o que são”
Outras críticas impiedosas:
“Vinham tomadas dessa adoração romântica pelo campo, a curiosidade do rustico, a pretensão do simples, cheias desse entusiasmo de burguesas que iludem o aborrecimento querendo a aceitar a novidade, o diferente sem se lhes adaptar”
“A sua doçura para com as crianças dependia da sua imensa ansiedade de simpatia e da satisfação que sentia ao ser reclamada e preferida por elas.
Outras ainda tocantes reflexões filosóficas:
“Não a desejava, apenas todo o seu ser se adaptava a cumprir a morte. Naquela casa, ela, enferma, nada receava. Era invulnerável porque não se instruíra a ponto de compreender o medo”
“O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome”
Foi assim a minha iniciação à Agustina, mais tarde que cedo, admirando-lhe o estilo e sondando-lhe a profundidade, através de uma leitura guiada de quem já por lá andara.
Ontem à tarde liguei à minha amiga para lhe dizer que ainda tenho o livro comigo. “Tchiiii… tens esse livro desde 93?”. “Não sabes fazer contas”. “Mas, afinal, leste-o?” “Li, e se calhar está na hora de to devolver”. “Não faz mal, tenho outro (…) E porquê agora? Assim como assim ela não morreu”.
1 comentário:
Também lhe fiz uma homenagem...
Em pausa de pausa...
Dias bons e bem aproveitados.
Abraço grande
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