A cama e o como
Recordo a minha mãe, logo pela manhã, chamando-me para ajudar a « fazer a cama ». E lembro a minha estranheza:
- Fazer a cama? Mas ela já não está feita?
Para a minha mãe era bem claro: uma cama só existia se nela estivessem bem estendidos os lençóis e as cobertas. Até então a cama estava «desfeita». Não existia . E o resto era conversa de um filho preguiçoso.
Ainda hoje mantenho a mesma estranheza. Porque a expressão «fazer a cama» esconde algo que é essencial. Por debaixo da colcha é que está a verdade da cama. Por debaixo da aparência, está a obra de um anónimo carpinteiro ou de um desconhecido serralheiro. A linguagem tem muitas vezes esse poder: mostra a construção e esconde a mão do construtor.
Este encobrimento é comum. Contudo, no caso da cama, essa ocultação é mais do que injusta. Porque nenhum outro objecto nos acompanha tanto e por tão longo tempo. Nascemos e morremos quase sempre sobre um leito. Grande parte da nossa vida é passada sobre uma cama. Apesar disso, não damos conta da sua existência . A sua presença só se adivinha pelo ranger da tábua, pelo chiar da mola ou pelo desconforto do colchão. A cama é como o nosso próprio corpo. Só
o sentimos quando nos dói.
o sentimos quando nos dói.
Excerto de um conto de Mia Couto do livro , o universo num grão de areia
2 comentários:
Concordo na íntegra. Esquecemos que a construiu mas não esquecemos de que é uma cama.
E que bem nos sabe estender sobre ela.
Ou será sobre o colchão?
Ou será sobre os lençóis?
Ou será sobre os cobertores?
Ou será sobre a colcha?
Bem... tudo faz parte da cama, não é mesmo?
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Tenha uma semana abençoada
Cumprimentos poéticos.
As dissertações de Mia Couto... Srrssss...
Gosto muito de o ler.
Estou muito contente por te encontrar novamente neste teu espaço.
com um ar renovado e refletindo saúde e boa disposição.
Tudo pelo melhor, estimada amiga.
Abracinho e beijinho.
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