Elas fizeram greves de braços caídos.
Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.
Elas gritaram à vizinha que era fascista.
Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.
Elas vieram para a rua de encarnado.
Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.
Elas gritaram muito.
Elas encheram as ruas de cravos.
Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.
Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.
Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.
Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.
Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra.
Elas choraram de verem o pai a guerrear com o filho.
Elas tiveram medo e foram e não foram.
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.
Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.
Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.
Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.
Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.
Elas disseram à mãe, segure-me aí os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.
Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.
Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão.
Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.
Elas iam e não sabiam para onde, mas que iam.
Elas acendem o lume.
Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.
São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.
Novas Cartas Portuguesas, obra literária de 1972, escrita por Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, é um livro singular, tanto pelo seu caracter revolucionário e desafiador da ditadura fascista em Portugal, como pela sua narrativa inovadora, cruzando, a seis mãos, a poesia, o ensaio, o romance, a carta, o conto.
Símbolo do feminismo português do Seculo XX, Novas Cartas Portuguesas é um livro que tem como centro a indignação face à subordinação das mulheres e à sua invisibilidade – pessoal, social, cultural e política -, procurando dar voz aos seus desejos, às suas inquietações e pensamentos, constituindo um grito de libertação contra todas as formas de opressão e um verdadeiro manifesto reivindicativo dos seus Direitos Humanos.
Bibliografia, de Maria Velho da Costa
Símbolo do feminismo português do Seculo XX, Novas Cartas Portuguesas é um livro que tem como centro a indignação face à subordinação das mulheres e à sua invisibilidade – pessoal, social, cultural e política -, procurando dar voz aos seus desejos, às suas inquietações e pensamentos, constituindo um grito de libertação contra todas as formas de opressão e um verdadeiro manifesto reivindicativo dos seus Direitos Humanos.
Bibliografia, de Maria Velho da Costa
- O Lugar Comum. 1966
- Maina Mendes. 1969
- Ensino Primário e Ideologia. 1972
- Novas Cartas Portuguesas. (with Maria Teresa Horta and Maria Isabel Barreno) 1972
- Desescrita. 1973
- Cravo. 1976
- Português; Trabalhador; Doente Mental. 1977
- Casas Pardas. 1977
- Da Rosa Fixa. 1978
- Corpo Verde. 1979
- Lucialima. 1983
- O Mapa Cor de Rosa. 1984
- Missa in Albis. 1988
- Das Áfricas. (with José Afonso Furtado) 1991
- Dores. (short stories, with Teresa Dias Coelho) 1994
- Irene ou o Contrato Social. 2000
- O Livro do Meio. (an epistolary novel, with Armando Silva Carvalho) 2006
- Myra. 2008
- O Amante do Crato. (short stories) 2012
4 comentários:
Tenho este poema guardado porque ele relembra um tempo que não quero esquecer.
Maria Velho da Costa é uma referência essencial não só como escritora mas também como cidadã…
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
A cultura portuguesa ficou mais pobre. Paz à sua alma.
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Uma semana feliz
Cuide-se
Uma resistente
sempre viva nos livros que devem ser lidos
Bj
Ficou um enorme espaço vazio na universo da nossa cultura...
Atrasada por andar envolvida na urdidura do 'post' sobre África.
Boa semana, com tudo a correr do melhor modo.
Beijinhos
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