segunda-feira, 26 de abril de 2021

Boa semana a quem passa


 
Uma centena de pessoas fugiu de uma festa no Porto.

A polícia entrou na festa e disse: é absolutamente ilegal uma festa sem a distância mínima entre os sujeitos festivos.
O futuro das festas são os ecrãs.
O ecrã pode ser beijado, uma pessoa não.
Que porcaria, diz um. Que porcaria, diz outro.
O ecrã, para uns, é nojento enquanto objecto a ser beijado.
O rosto ou a boca são nojentos, para outros, enquanto objectos ansiosos por serem beijados.
Uma diferença essencial entre o ecrã e a pele humana, é que o ecrã não mostra a mínima ansiedade antes de ser beijado.
Mas também não retribui.
O que é o frio? É a não retribuição, a pura ausência de qualquer troca.
O que é o calor? É a retribuição.
A pele é uma das poucas superfícies no mundo que quando recebe também emite.
A pele que recebe um beijo emite calor, ansiedade ou etc.
(Não se costuma escrever: ou etc. — mas pode perfeitamente assumir-se que o etc. — que é na linguagem o que o infinito é na matemática — pode ser colocado como alternativa e nem sempre como sequência interminável. Ou isto ou etc.).
Um ecrã fica frio como estava — e frio permanece até aparecer uma avaria.
Um ecrã fica demasiado quente apenas no trágico momento de uma avaria técnica.
Já a pele humana tem bem diferentes regras e hábitos bem distintos.
A pele fica quente no momento da alegria.
E parece que isso não passa.

Gonçalo M. Tavares, Revista E, Expresso

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