Podia ser Pão Mole ou Paitio, nome bem alentejano… Não foi
importante saber o nome
para entabular conversa com este pequeno homem , franzino,
olho verde bem vivo, sem dentes.. . o que dificultou a minha audição, e 71 anos idade. Parecia ter 80.
Dia 1 de Janeiro, concelho de Odemira, uma paragem
obrigatória para resolver assuntos e o
meu vício pela fotografia.
Achei piada ao enquadramento do seu lazer acompanhado de um
saco de cigarros partidos em metades e de uma cadelinha verdadeira e outros
bichos em plástico.
Pedi para fotografar de longe. Um afirmativo feliz.
Aproximei-me. Apresentou-se como guarda reformado da
Mondetti, no Montijo. Com 30 mil contos no banco… Só em nome dele, pois os
filhos não querem saber dele para nada. No banco, ao terem feito o reparo de
ser o único titular da conta, afirmou que o dinheiro em questão de morte ficaria para o estado. “ os filhos não querem saber de mim para nada”…
“com o asilo já me acertei com um terreno que doei”…
Fiquei aflita e disse-lhe. “ó homem , não deve dizer que tem
esse dinheiro no banco”…
“digo pois, tenho lá 30 mil contos … e para o estado, mas se
me apetecer vou lá buscar 40 ou 50 contos”…
Os euros, não são o seu mundo como o de muita gente.
Perguntei se vivia sozinho. Já por lá tinham passado umas
velhotas…” e, há umas na aldeia que
estão mortas por fazer companhia… “ A última companheira roubou-lhe a dentadura
com dentes de ouro… Alguns terrenos à nossa
vista são do senhor “olho vivo”.
Perguntei se tinha televisão. Sim senhor, tinho tudo o que
precisava no cubículo aonde me convidou a entra e a fotografar. Fi-lo meio envergonhada mas não resisti…
Estava ali um mundo alinhado e irrepreensivelmente arrumado
que era tudo o que lhe era necessário.
Frigorifico, televisão, cama, uma mesinha com tudo
arrumadinho e os seus bonecos de plástico, num canto a cozinha e um mosqueiro onde guardava a comida que no topo
alinhava frutos diversos que insistiu que eu comesse.
Num chão de laje muito húmida só com um tapete aos pés da cama,
enregelaram os meus pés por simpatia… Fiquei horrorizada… 30 mil contos no banco e um chão de pedra
molhada…
Mas das paredes, que de despidas só tinha as mulheres de
calendário que forravam as mesmas, imanava o calor que este senhor X não se cansava de repetir… “Aqui tenho tudo o que preciso, mas á noite deito-me
sozinho como um cão”….
E, veio-me á memória o filme de Fellini, AMACORD…. “ QUERO
UMA MULHER”…
É ASSIM O ALENTEJO OU O CONCELHO ONDE MAIS GENTE SE SUICÍDA, O DE ODEMIRA.
4 comentários:
Anamar minha amiga
Esses são os mistérios das terras "de dentro" onde a vida nos surpreende...
Na minha infância, a ruralidade era uma certeza uma vez por ano. Algumas centenas de quilómetros abaixo moravam os meus avós. Sem luz, sem água,mas muitas galinhas, porcos, um burro, um macho uma mula,um carro que eles puxavam para levar donos à missa e visitar parentes. Terras de cultivo,uma nora, alpendres, oliveiras, alfarrobeiras e amendoeiras, as últimas, sem dúvida, as jóias da coroa.
E uma das conversas de Primavera andava à volta de "Esta ano há amêndoas???"
Sim, porque fazia toda a diferença. Já na altura era um produto bem pago mas nem todos os anos a coisa acontecia. A alternância não era certa. Caprichosa. Mas quando era ano de amêndoa, guardava-se dinheiro,os colchões engordavam, o amor era mais prazeiroso e a nossa "notinha"(a dos netos) era maior e os sorrisos sem dentes mais escancarados.
Ali o ritmo das estações e das tarefas não se confundia.
Ouvia-se os crescidos falar das colheitas, dos casamentos, dos filhos que tinham ido estudar para Faro, do comerciante de frutos que se seguravam demais nos preços...e inevitavelmente de "enforcamentos" de quem ficava sózinho.
E tudo parecia normal. Tão normal como as pequenas/grandes fortunas que se escondiam ou que jaziam no Banco, não para "adquirir coisas" para se contemplar. O papel do Banco ou a caderneta era um troféu,venerado como as fotos de família, consolo e prémio, porque o gozo era ver o número crescer e ficar gordinho como o porco do quintal...Comprar? O quê? Já tinham tudo.
Pelo que conta, não mudou muito a realidade que eu conheci porque a definição da felicidade é vasta, eterna e surpreendente.
Misterioso continua a ser o momento da decisão em que "os homens" precisamente "eles" vão buscar o baraço e o penduram na trave...
(Dizia-se por lá à boca pequena que era por causa da "prosta")
Levei muitos anos para perceber...
ERA UMA VEZ,
bom dia e bom ano,amiga, com nome , a Isabel. Mais íntimo.
Gostei da sua estória de "vidas" que neste Portugal rural tantas estórias destas tem que se nos colam à pele.
Por isso, se me permitir, mais logo vou fazer um post com o seu texto qe tanto vai enriquecer este MAR À VISTA.
Abracinho amigo
Querida Ana
É sempre uma honra para mim...
Muito grata.
Excelente a foto que partilhaste
com palavras
A vida a preto e branco
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