segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O belo e o feio, segundo Umberto Eco...

Leituras... "A Vertigem das Listas"

MARK TWAIN
AS AVENTURAS DE TOM SAWYER, (1876)
- Vá lá, deixa-me experimentar. Dou-te o caroço da minha maçã.
- Bom vejamos… Não, Ben, não faças isso. Temo que…
- Dou-ta TODA!
Tom entregou o pincel, com relutância no rosto , mas com entusiasmo no coração. E enquanto o vetusto  vapor Big  Missouri trabalhava e suava ao sol, o artista reformado estava sentado num barril, sob uma sombra próxima, bamboleava as suas pernas, mordiscava a sua maçã e planeava o massacre de mais inocentes. Não havia falta de material; os rapazes apareciam ali a cada instante; vinham para fazer troça mas ficavam para caiar. Quando Bem caiu para o lado, Tom já tinha trocado a próxima ronda por um papagaio em bom estado com Billy Fisher; e quando este acabou, Jonhy Miller pagou a sua vez com um rato morto e uma corda para o fazer rodopiar – e assim por diante, hora após hora. E quando o meio da tarde chegou, tendo começado, nessa manhã, por ser um rapaz muito pobrezinho, Tom estava a rebolar na sua riqueza. Além das coisas anteriormente mencionadas, doze berlindes, parte de um berimbau, um bocado de uma garrafa azul que fazia as vezes de um monóculo, uma fisga zarabatana, uma chave que não abria nada, um fragmento de giz, uma tampa de vidro de um decantador, um soldadinho de chumbo, um par de girinos, seis petardos, um gatinho com um olho só, uma maçaneta de latão, uma coleira – mas nenhum cão - , o cabo de uma faca, quatro bocados de casaca de laranja e parte de uma velha janela de guilhotina decrépita.
Ele passara, entretanto, um óptimo, fantástico tempo livre – cheio de companhia – e a vedação tinha três demãos de cal em cima! Se não tivesse esgotado a cal, ele teria arruinado todos os rapazes da aldeia.

Trababalhos de Jonh Haberle (1856-1933), A Gaveta de Um Desenhador
Texto tirado do livro A VERTIGEM DAS LISTAS, Umberto Eco