segunda-feira, 21 de março de 2016

Com Sena, saio de cena, neste Dia Mundial da Poesia . Há dias que calham mesmo bem...

Um Epílogo

Quando estes poemas parecerem velhos, 
e for risível a esperança deles: 
já foi atraiçoado então o mundo novo, 
ansiosamente esperado e conseguido 
- e são inevitáveis outros poemas novos, 
sinal da nova gravidez da Vida 
concebendo, alegre e aflita, mais um mundo novo, 
só perfeito e belo aos olhos de seus pais. 

E a Vida, prostituta ingénua, 
terá, por momentos, olhos maternais. 

Jorge de Sena, in 'Coroa da Terra' 

"E é de cultura que falamos. E é de cultura que o país precisa que sem ela não se vai a lado nenhum".... Dia Mundial da Poesia


21 de MARÇO - DIA MUNDIAL DA POESIA
Agradeço a todos os intelectuais, jornalistas, a todos os interessados de alguma maneira responsáveis pela divulgação dos nossos poetas, os mortos e os vivos. Agradeço tudo o que é feito de molde a manter essa lembrança, digna de todo o mérito, todo o empenho e eu diria, todo um orgulho em manter, revelar, espalhar, ensinar, elevar a poesia portuguesa, a actual e a anterior à actual.
CULPO E APONTO O MEU DEDO ACUSADOR a quem,por variadas razões se faz esquecido e omite e afasta e ignora e tapa e escurece e parece até que pretende que não tenham existido outros poetas e os deixem, ignominiosamente, ESQUECIDOS. Propositadamente esquecidos. Não são os pequenos meios que os esquecem, não! São os grandes meios de difusão, esses meios que, se quiserem, abrangem toda a gente.

Falo eu neste meu caso de ANTÓNIO GEDEÃO - 1906 - 1997.
Eu sei que António Gedeão é considerado um "poeta menor" por essas grandiloquentes e conhecedoras e avaliadoras cabeças, umas calvas de tanto pensar, outras meias calvas de tanto não pensar. Dá jeito, essa consideração. Ainda hoje li em jornais nomes de poetas que, de facto, considero irrecusáveis e, para mim, sempre presentes neste nosso tão frágil cenário literário. Apoio-os e conheço-os a todos. Aplaudo a sua obra com todas as minhas forças. Não aplaudo quem omite nomes importantíssimos, quem faz com que os mais novos nem sequer conheçam os desaparecidos e choro as minhas próprias lágrimas enraivecidas.

Isto não é cultural.
E é de cultura que falamos. E é de cultura que o país precisa que sem ela não se vai a lado nenhum. E é da cultura antiga e da cultura nova. Não é à custa de gostos pessoais - eu gosto deste e por isso destaco, eu não gosto deste e por isso não destaco.
Eu, como descendente deste poeta que mais não seja podia apenas ter escrito Pedra Filosofal e mais nada para ser UNIVERSAL, eu como descendente directa, neste caso, filha, e enquanto for viva revelá-lo-ei e espalharei as suas palavras aos quatro ventos.
E não só a Pedra Filosofal, ou a Calçada de Carriche, ou a Lágrima de Preta, ou a Fala do Homem Nascido, ou Aurora Boreal! Não! Há também outras centenas de poemas espalhados por vários livros, recorte e publicações variadas que NUNCA ninguém leu.
Para se saber sobre qualquer coisa, para se poder falar, debitar, orar, discursar, opinar, ou simplesmente parlapiar com os amigos é OBRIGATÓRIO conhecer-se mais do que a rama.
Eu, quando falo, falo do que conheço A FUNDO, profundamente. Jamais dou palpites e opiniões frágeis, simples, dessas que nem consistência têm e que, por conseguinte, nem vale a pena argumentar. 
O melhor é mesmo ficar calado quando não se conhece, mas ao menos, por consideração por uma das figuras culturais, científicas, intelectuais, uma das maiores e mais importantes figuras do século XX português, ao menos mencionar o nome de ANTÓNIO GEDEÃO, mencioná-lo ao de leve, de raspão, não ficaria mal a ninguém. Muito pelo contrário.

Lamento imenso tudo isto.
CRISTINA CARVALHO - 21 de Março de 2016
Recolhido no FB, mural de Cristina Carvalho

António Gedeão escreveu.
"Diz a minha mãe que eu comecei a fazer versos aos 5 anos e aos 10 tive a comoção de ver os primeiros impressos e públicos.
Escrever poemas foi sempre para mim um estado de angústia, um sofrimento autêntico. Amorteci todo esse sofrimento durante anos até ao dia em que por motivos dolorosos me desfiz dele por completo na ingénua presunção de que me atrapalhava. Sobre isso passaram vinte anos.
Após eles... tive trágica conversa comigo mesmo, a sós, e resolvi nascer de novo."
Carta a Jorge de Sena, de 29-12-1963