quarta-feira, 25 de junho de 2014

Amei... e amarei

Longe,
existe no sul, mutilada pelos assassinos,
uma vila onde nasceste,
algumas redes, alguns barcos, alguns peixes de olhar cego
no pensamento do pai,
minúsculas ilhas sem roteiro nem mapas,
pequenas magias que não te conduzem à alegria e às
estátuas de sal.

Agora,
são as filhas que esperam, três fontes, três enigmas,
três rainhas de um tempo de devastados tronos,
de breves antecâmaras da morte,
isto a que chamamos vida, amanhã, sentido dos dias,
e é tão-somente o que resta de um medo mais vasto, nas
fronteiras do mundo.

Algures,
nos caminhos que vão para norte, repousa ao
abandono, no sombrio hotel do esquecimento,
aquele que tanto amaste, que tanto amámos.
Mas tu vais e vens e não queres que vejam como às vezes
sofres.

Dobras-te como as espigas num campo amarelo,
num Verão antigo.
Danças seriamente sobre altíssimos saltos.
Espalhas à tua volta lantejoulas de tropicais sonhos,
de Méxicos belos e Las Vegas de falso ouro e melancolia.
Cantas no interior do fumo.
Mas a tua voz não tem o timbre das terras suaves.
E eu não sei como dizer-te
que nestes rios de mezcal
navegam príncipes azuis em tumultuosas vagas e há um
desespero de náufragos no coração dos amigos,
esses que não fogem do sonho e das lágrimas,
como se não tivessem um corpo aberto às navalhas,
inclinado sobre a dor,
à tua espera durante horas.

Não precisas de bater à sua porta.
Não respires demasiado, à beira dos seus jardins.
Não quebres os espelhos de prata onde se reflectem os
cisnes da sua água,
no meio do lago triste.
Vem pela noite, cruza as pontes, traz um pouco de
incenso,
e se partires,
vai com o sol ao longo da margem,
ao lado do mar

José Agostinho Baptista.
Não gostoRetirado do mural de Ana Cristina Leonardo, no FB.
Obrigada.