quinta-feira, 6 de agosto de 2015

"Príncipe" , o de Ana, a Hartherly. (1929-2015)

Príncipe

Príncipe: 
Era de noite quando eu bati à tua porta 
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir 
e não me conheceste. 
Era de noite 
são mil e umas 
as noites em que bato à tua porta 
e tu vens abrir 
e não me reconheces 

porque eu jamais bato à tua porta. 
Contudo 
quando eu batia à tua porta 
e tu vieste abrir 
os teus olhos de repente 
viram-me 
pela primeira vez 
como sempre de cada vez é a primeira 
a derradeira 

instância do momento de eu surgir 
e tu veres-me. 
Era de noite quando eu bati à tua porta 
e tu vieste abrir 
e viste-me 
como um náufrago sussurrando qualquer coisa 
que ninguém compreendeu. 
Mas era de noite 
e por isso 
tu soubeste que era eu 

e vieste abrir-te 
na escuridão da tua casa. 
Ah era de noite 
e de súbito tudo era apenas 
lábios pálpebras intumescências 
cobrindo o corpo de flutuantes volteios 
de palpitações trémulas adejando pelo rosto. 
Beijava os teus olhos por dentro 
beijava os teus olhos pensados 

beijava-te pensando 
e estendia a mão sobre o meu pensamento 
corria para ti 
minha praia jamais alcançada 
impossibilidade desejada 
de apenas poder pensar-te. 

São mil e umas 
as noites em que não bato à tua porta 
e vens abrir-me 



Ana Hatherly, in "Um Calculador de Improbabilidades" 
, in "Um Calculador de Improbabilidades" 

olhares...


"Exausta de amar"...





Exausta de amar me reclino

no amparo desse abraço feito tempo

olhando as horas que galgam líquidas

por sobre as pedras da vida

escondo-me no regaço do tempo passado

choro a forma como ele me enlaça me abraça

exausta de amar recuo e me redimo

dessa pressa com que treslouca corri

sem parar por um momento persegui

 estrelas cadentes  astros brilhantes

luas vermelhas sonhos ardentes

 sem vacilar me entreguei

sem temer mergulhei

sem vergonha tomei

sem contar perdi

a conta ao que vivi

ib (Isabel Bento), boa amiga, in FB