quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

domingo, 27 de janeiro de 2019

Crianças , pela mão de Eugénio de Andrade

Em Louvor das Crianças

Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso. 
A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue. 
O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que, frequentemente, é usado como argumento para a negação da bondade divina. Não, não há salvação para quem faça sofrer uma criança, que isto se grave indelevelmente nos vossos espíritos. O simples facto de consentirmos que milhões e milhões de crianças padeçam fome, e reguem com as suas lágrimas a terra onde terão ainda de lutar um dia pela justiça e pela liberdade, prova bem que não somos filhos de Deus. 


Eugénio de Andrade, in 'Rosto Precário' 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

RTP2 e o "Sentido da Beleza"

                                                 Sandro Botticelli, "O Nascimento de Vênus
.
"Num tempo de profunda berraria televisiva, marcada por um amontoado de programas feitos de nada e coisa nenhuma, a RTP 2 continua a surgir-nos como o oásis onde podemos beber a diferença, a curiosidade, a inquietação, a interrogação que nos faz seres pensantes e não apenas recetáculos acéfalos.
Só num canal virado para o serviço público, capaz de entender a televisão como um espaço por onde flui a inteligência, seria possível um programa como “O Sentido da Beleza”, transmitido às terças-feiras e em parte ainda disponível na RTP Play.

O que é a beleza? Eis uma das perguntas cruciais com que se tem defrontado o homem ao longo dos tempos. Escreveram-se tratados. Há infinitas reflexões filosóficas. Trilharam-se inúmeros caminhos à procura de uma resposta.
Há correspondência entre o belo e o feio? O que é belo aos olhos de alguns – um rosto, uma paisagem, uma obra de arte – pode configurar o horrendo aos olhos de outros? Saberá alguém definir exatamente o que é a beleza? Ou essa, e ainda bem, é uma impossibilidade absoluta?
O homem começou a procurar e a expressar o sentido de beleza mesmo antes de ter desenvolvido uma qualquer noção de linguagem. Nas cavernas encontramos as primeiras obras de arte alguma vez criadas pelo homem. Olhá-las, como olhar a reprodução do imaginário rosto de um homem ou mulher daqueles tempos primordiais, é perceber como os conceitos de beleza se modificaram ao longo dos tempos.
Há diferentes atitudes culturais perante a beleza, conforma o contexto geográfico, ou até social, em que nos encontremos. Mesmo com a galopante padronização ocidental a embrenhar-se no mundo todo, a noção de belo para um asiático ou para um africano contém ainda substanciais diferenças em relação à noção de belo de um europeu ou um norte-americano.
A série documental em seis episódios da responsabilidade de Massimo Brega e apresentada pelo escritor inglês Dominic Frisby coloca-nos perante o poder da beleza através de uma viagem á volta do mundo e das diversas noções de beleza, com o contributo de artistas, críticos de arte, filósofos e cientistas.
Com imagens belíssimas, o programa recorda-nos a cada instante como a beleza sempre esteve, está e continuará a estar no centro das preocupações humanas. Ou será por acaso que todos os dias são investidos milhões de euros por pessoas que querem tornar as coisas mais bonitas, ou querem elas próprias sentirem-se ou parecerem mais bonitas? E porque será que, segundo vários estudos, as pessoas mais atraente ganham, em média, mais 12,5% do que as pessoas com aparência normal?

De Valmerar Cruz, no Expresso Curto de hoje.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Árvores e livros . Vida



As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas. 
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras. 
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas». 
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.


Herbário , de Jorge Sousa Braga , de Jorge Sousa Braga

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Não ando muito por aí, amigos blogueiros , mas de vez em quando venho até aqui ...



Nós nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Somente através do amor e das amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos sozinhos.

Orson Welles

Fotografias de Robert Doisneau, 1950

sábado, 5 de janeiro de 2019

Sophia faria hoje 100 anos . Programa do seu centenário


Sophia, " O Mar dos meus Olhos"


Para um dia como outro qualquer ... Hoje e sempre, as crianças

                                                                                                                           
As crianças são o Tempo de Haver .
Sua presença no mundo é de gritos e protesto. Mas, às vezes, adaptam-se e isso implica uma luta quase heróica e anónima que a maior parte ignora.
Alimentam os dias dos homens, mas elas próprias são o espelho da solidão.
Em ses olhos enormes e grandes, uma criança contempla o mundo e não o entende. Ouve palavras e as palavras são flechas que lhe perturbam o sonho em que se refugia para sobreviver.
Tudo nelas é inicial e puro: o riso e a violência, o sonho e as lágrimas.
Projectadas para o alto, são estrelas cadentes.

...
Uma criança espera, no mundo.
E que o mundo lhe devolva a esperança para sempre.
Que os homens, por um segundo em cada dia, suspendam seus deveres mais urgentes e pense na criança que espera. 
E lhe garantam a Paz.
E lutem pelo seu bem estar
E se envergonhem de ainda haver, sobre a abundância desnecessária de tantos, a sombra de milhares de crianças que sucubem da fome e da doença sem um vislumbre de ternura ou solução.
Que nós nos envergonhemos.
E que a dor não seja, nunca mais, como a solidão, uma palavra nos seus dias.
Que a CRIANÇA sorria ao mundo.
Que o mundo lhe conserve o sorriso.
Hoje. E para sempre.
   
De Matilde Rosa Araújo, Crónicas
O Tempo e Voz
Edição ITAU, s/d

Do livro da mesma autora, recolha de textos e poemas dos nossos queridos escritores e poetas de meados do séc. XX, A INFÂNCIA LEMBRADA,
Livros Horizonte, 1986


Um livro a que regresso sempre que me apetece sentir o amor ou desamor da vida de homens e mulheres que relembram a sua infância e relação com a Mãe. 

Como a vida não muda para tantas e tantas crianças no mundo. Matilde, era uma referência para nos professores do 1º ciclo. Ainda guardo um pequeno livro, comprado no ITAU, no Campo Grande, Infância Perdida.


Imagem de crianças jamaicanas