domingo, 28 de junho de 2009

Ainda o corpo - as tuas, as nossas e as vossas mãos!

Uma mão pode acariciar, ameaçar, agarrar, bater, criar, mesmo matar!

Com a mão, o homem exprime e manipula o mundo ou pelo contrário pode contruir um à sua própria imagem...

(As mãos de Deus, de Rodin)

O cerimonial das mãos


Mãe, onde foi que deixaste a outra metade,
a que anunciava o sol na turvação das noites,
a que iluminava a sombra no cerimonial das mãos?
Em que côncavo de rochas buscava abrigo
essa outra metade que eu via projectada
para fora de mimcomo um sonho evadindo-se
do círculo de medos em que a fúria se jogava?
Eu era gémeo de todos os assombros
e os meus segredos era com essa outra metade
que os partilhava à revelia das bocas
que em surdina me traçavam o destino.
Quanto de mim se perdia nessa metade
que me furtava o riso e me deixava a culpa,
que me feria o ventre e me fustigava a pele?
Quanto de mim me flagelava
sem que eu lhe conhecesse morada ou nome?
Mãe, eu pedia uma trégua ao vento
e um punhal à chuva e com ambos queria
separar de mima metade incandescente
que à beira dos meus gestos
ganhava altura de nuvem e fulgor de estrela.
Mãe, eu vejo-me outro nesta cama
que guarda os instrumentos liquefeitos da insónia
e sei que não sou eu quem lá está,
que não sou eu que lá quero estar.


José Jorge Letria, in "A Tentação da Felicidade

4 comentários:

Maria disse...

As mãos são (e podem) quase tudo...

Beijo

mdsol disse...

Com mãos se faz a paz se faz a guerra...
Q. Anamar, sempre escolhas serenas e bonitas.
beijinhos

[Então a menina já vai voltar para terras de Vera Cruz? Eu volto só no fim de Setembro/início de Outubro, vou a BH e hei-de passar um fim de semana alargado no Rio]

joos119 disse...

Mãos, símbolo de paz, de amor, de oração, de carinho, de zanga...de tanta coisa e de coisa nenhuma, quando vazias.
Mais um bonito contributo, Anamar.
:))

argonauta disse...

Ah, a ternura que emana dessas mãos! Mas tem laivos de autoretrato