terça-feira, 6 de novembro de 2012

Notícias do Jaime..."Como a crise do euro dilacera a Europa - e como a liga

 Beck, Ulrich (2012)A Europa alemã. Novas paisagens de poder sob o signo da crise

(Berlim: Suhrkamp Verlag)

IBeck, Ulrich (2012)
A Europa alemã. Novas paisagens de poder sob o signo da crise
(Berlim: Suhrkamp Verlag)

I. Como a crise do euro dilacera a Europa – e como a liga [12-25]

4. Política interna europeia: o conceito de política, cunhado com base no Estado nacional, é anacrónico [21-23]

     Há já vários anos, escrevi no meu livro Die Erfindung des Politischen (A Descoberta do Político) o seguinte:

«O modelo da época moderna ocidental [...] tem que ser novamente discutido e redesenhado. [...] [Não se trata só de] uma política que se limite a aplicar regras (regelausführende Politik) mas também de uma política que as mude (regelverändernde Politik), [...] não só de política de mero exercício de poder (Machtpolitik) mas também de uma política criativa (Gestaltungspolitik). Encontramo-nos perante um número cada vez maior de perguntas, em situações que não podem ser abrangidas pelas instituições, conceitos e concepções correntes, que igualmente se mostram incapazes de lhes darem as respostas adequadas.» (15)

     Ao falarmos, aqui, de velhas regras e de instituições, estamos a referir-nos, antes de mais, às regras e às instituições políticas no âmbito de cada Estado-nação. A actual crise do euro mostra-nos, com insuperável clareza, que elas já não se adequam aos problemas e às tarefas. Por isso as regras têm de ser modificadas. No antigo mundo dos Estados nacionais seria impensável que os contribuintes da Alemanha, da Finlândia ou dos Países Baixos assumissem a responsabilidade por riscos orçamentais de outros países da Zona Euro ou pelas dívidas de bancos espanhóis. Mas até mesmo as regras, de cujo cumprimento a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional fazem depender a concessão de novos créditos, na sua qualidade de instituições transnacionais, correm sempre atrás da crise que se vai agudizando de forma dramática. E também a ideia de que a Alemanha e outros países credores poderiam, através do pacto fiscal, controlar a política orçamental de outros países da Zona Euro está ainda presa, no fim de contas, à antiga perspectiva nacional. Igualmente aqui as regras deveriam ser, na verdade, modificadas de tal maneira que, no futuro, se torne possível uma política económica e financeira europeia comum. Se, porém, nos ativermos às regras antigas, como reivindicam aqueles que, junto do Tribunal Constitucional de Karlsruhe, processaram contra o “chapéu de chuva” de protecção permanente do euro MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) e o [22] pacto orçamental – por ele atentar, segundo eles, contra a soberania orçamental do Bundestag (Parlamento Federal alemão), garantida constitucionalmente –, depressa se constata que as regulamentações e os procedimentos antigos são afinal demasiado pesados e morosos para poderem responder aos desafios actuais.
     Dizendo isto de outra maneira:  há um tempo para a pequena política que se contenta com a aplicação das regras, e há um tempo para a grande política da criatividade. A fim de se encontrar resposta adequada para a crise do euro – ou para os perigos da mudança climática e do capitalismo financeiro desregulamentado – carece-se da grande política. A ideia de que, na era dos riscos globalizados, seria possível agir segundo o lema «Nós vamos resolver isto sozinhos», acaba por se revelar uma ilusão fatal.
     Nestas condições, a simples distinção entre política interna e política externa deixa de se poder manter, de uma vez por todas. É precisamente na Europa da crise que observamos como as fronteiras se vão esbatendo, de maneira crescente. Muitos autores reivindicam, desde há anos, ou até mesmo décadas, uma «política interna europeia», uma política democraticamente legitimada, que se ocupe, empenhadamente, no interesse da UE, de áreas como a política social, educacional ou económica. Ora estamos a assistir, agora, a como está a surgir algo, em face da crise, a que se poderia chamar «política interna europeia», embora tenha pouco que ver com a reivindicação esboçada mais acima. Nos Estados-membros, a Europa está a tornar-se um tema de polítia interna: na Primavera de 2012, verificou-se isto aquando das eleições presidenciais, em França, e das eleições parlamentares, na Grécia; Alexis Tsipras, a nova estrela política grega, viajou, em Maio de 2012, até às capitais da UE, esteve em Berlim e em Paris, a fim de impressionar os eleitores, na Grécia, com as imagens da sua competência europeia. Na Alemanha, Angela Merkel encena-se como a chanceler de ferro, que não permite aos povos dos países meridionais continuarem com a sua falta de disciplina; as declarações de David Cameron, o “Premier” britânico, acerca de política europeia, têm como alvo despertar ressentimentos, por parte da população, e ser aplaudido pelos banqueiros, no mercado financeiro de Londres.    
     «Política interna europeia» significa, aqui, portanto que não há uma linha de orientação centrada no bem comum europeu, mas sim em eleições nacionais [23], nos meios de comunicação de massa e em interesses económicos.
     Até mesmo a política europeia do Presidente dos EUA Barack Obama, aliás, é, em grande parte, motivada pela política interna. Ao ser-lhe feita a pergunta por que motivo a crise do euro tinha importância para os EUA, respondeu Obama, em Maio de 2012: «A crise europeia também nos afecta porque a Europa é o nosso maior parceiro comercial. [...] Se, em Paris ou Madrid, diminuir a procura dos nossos produtos, isso poderia ter como consequência a redução das encomendas de fábricas em Pittsburgh ou Milwaukee.» (17) A crise do euro põe portanto em perigo empresas e bancos americanos e, deste modo, a reeleição de Obama. Lutando por um segundo mandato, o presidente está inquieto por causa da Europa. Merkel, porém, que, ela própria, em pensamento e acção também se guia pelo cálculo de poder da política interna, mostra-se (até agora) renitente. «Ela tem menos receio de um Barack Obama do que dos eleitores alemães», resume, lapidarmente, a revista Der Spiegel. (18)
     O caso inverso, ou seja, que o superior interesse europeu se sobreponha à política interna nacional é mais raro. Exemplo disso foi dado pelo ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, ao defender aumentos salariais na Alemanha, para apoiar o euro. Desempenhou, então, por assim dizer, as funções de ministro europeu de política de tarifas salariais: «Está certo que os salários, actualmente, subam mais, aqui, do que em todos os outros países da Zona Euro. O aumento salarial, no nosso País, contribui também para atenuar os desequilíbrios no seio da Europa.» (19)  


  [12-25]

4. Política interna europeia: o conceito de política, cunhado com base no Estado nacional, é anacrónico [21-23]

     Há já vários anos, escrevi no meu livro Die Erfindung des Politischen (A Descoberta do Político) o seguinte:

«O modelo da época moderna ocidental [...] tem que ser novamente discutido e redesenhado. [...] [Não se trata só de] uma política que se limite a aplicar regras (regelausführende Politik) mas também de uma política que as mude (regelverändernde Politik), [...] não só de política de mero exercício de poder (Machtpolitik) mas também de uma política criativa (Gestaltungspolitik). Encontramo-nos perante um número cada vez maior de perguntas, em situações que não podem ser abrangidas pelas instituições, conceitos e concepções correntes, que igualmente se mostram incapazes de lhes darem as respostas adequadas.» (15)

     Ao falarmos, aqui, de velhas regras e de instituições, estamos a referir-nos, antes de mais, às regras e às instituições políticas no âmbito de cada Estado-nação. A actual crise do euro mostra-nos, com insuperável clareza, que elas já não se adequam aos problemas e às tarefas. Por isso as regras têm de ser modificadas. No antigo mundo dos Estados nacionais seria impensável que os contribuintes da Alemanha, da Finlândia ou dos Países Baixos assumissem a responsabilidade por riscos orçamentais de outros países da Zona Euro ou pelas dívidas de bancos espanhóis. Mas até mesmo as regras, de cujo cumprimento a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional fazem depender a concessão de novos créditos, na sua qualidade de instituições transnacionais, correm sempre atrás da crise que se vai agudizando de forma dramática. E também a ideia de que a Alemanha e outros países credores poderiam, através do pacto fiscal, controlar a política orçamental de outros países da Zona Euro está ainda presa, no fim de contas, à antiga perspectiva nacional. Igualmente aqui as regras deveriam ser, na verdade, modificadas de tal maneira que, no futuro, se torne possível uma política económica e financeira europeia comum. Se, porém, nos ativermos às regras antigas, como reivindicam aqueles que, junto do Tribunal Constitucional de Karlsruhe, processaram contra o “chapéu de chuva” de protecção permanente do euro MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) e o [22] pacto orçamental – por ele atentar, segundo eles, contra a soberania orçamental do Bundestag (Parlamento Federal alemão), garantida constitucionalmente –, depressa se constata que as regulamentações e os procedimentos antigos são afinal demasiado pesados e morosos para poderem responder aos desafios actuais.
     Dizendo isto de outra maneira:  há um tempo para a pequena política que se contenta com a aplicação das regras, e há um tempo para a grande política da criatividade. A fim de se encontrar resposta adequada para a crise do euro – ou para os perigos da mudança climática e do capitalismo financeiro desregulamentado – carece-se da grande política. A ideia de que, na era dos riscos globalizados, seria possível agir segundo o lema «Nós vamos resolver isto sozinhos», acaba por se revelar uma ilusão fatal.
     Nestas condições, a simples distinção entre política interna e política externa deixa de se poder manter, de uma vez por todas. É precisamente na Europa da crise que observamos como as fronteiras se vão esbatendo, de maneira crescente. Muitos autores reivindicam, desde há anos, ou até mesmo décadas, uma «política interna europeia», uma política democraticamente legitimada, que se ocupe, empenhadamente, no interesse da UE, de áreas como a política social, educacional ou económica. Ora estamos a assistir, agora, a como está a surgir algo, em face da crise, a que se poderia chamar «política interna europeia», embora tenha pouco que ver com a reivindicação esboçada mais acima. Nos Estados-membros, a Europa está a tornar-se um tema de polítia interna: na Primavera de 2012, verificou-se isto aquando das eleições presidenciais, em França, e das eleições parlamentares, na Grécia; Alexis Tsipras, a nova estrela política grega, viajou, em Maio de 2012, até às capitais da UE, esteve em Berlim e em Paris, a fim de impressionar os eleitores, na Grécia, com as imagens da sua competência europeia. Na Alemanha, Angela Merkel encena-se como a chanceler de ferro, que não permite aos povos dos países meridionais continuarem com a sua falta de disciplina; as declarações de David Cameron, o “Premier” britânico, acerca de política europeia, têm como alvo despertar ressentimentos, por parte da população, e ser aplaudido pelos banqueiros, no mercado financeiro de Londres.    
     «Política interna europeia» significa, aqui, portanto que não há uma linha de orientação centrada no bem comum europeu, mas sim em eleições nacionais [23], nos meios de comunicação de massa e em interesses económicos.
     Até mesmo a política europeia do Presidente dos EUA Barack Obama, aliás, é, em grande parte, motivada pela política interna. Ao ser-lhe feita a pergunta por que motivo a crise do euro tinha importância para os EUA, respondeu Obama, em Maio de 2012: «A crise europeia também nos afecta porque a Europa é o nosso maior parceiro comercial. [...] Se, em Paris ou Madrid, diminuir a procura dos nossos produtos, isso poderia ter como consequência a redução das encomendas de fábricas em Pittsburgh ou Milwaukee.» (17) A crise do euro põe portanto em perigo empresas e bancos americanos e, deste modo, a reeleição de Obama. Lutando por um segundo mandato, o presidente está inquieto por causa da Europa. Merkel, porém, que, ela própria, em pensamento e acção também se guia pelo cálculo de poder da política interna, mostra-se (até agora) renitente. «Ela tem menos receio de um Barack Obama do que dos eleitores alemães», resume, lapidarmente, a revista Der Spiegel. (18)
     O caso inverso, ou seja, que o superior interesse europeu se sobreponha à política interna nacional é mais raro. Exemplo disso foi dado pelo ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, ao defender aumentos salariais na Alemanha, para apoiar o euro. Desempenhou, então, por assim dizer, as funções de ministro europeu de política de tarifas salariais: «Está certo que os salários, actualmente, subam mais, aqui, do que em todos os outros países da Zona Euro. O aumento salarial, no nosso País, contribui também para atenuar os desequilíbrios no seio da Europa.» (19)  

Enviado pelo Prof. Universitário Jubilado, Jaime Ferreira da Silva, , Bochum, Alemanha
Pintura do expressionista alemão Die Brucke, 1911



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