quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Uma mulher, precisa-se... Vidas...


Podia ser Pão Mole ou Paitio, nome bem alentejano… Não foi importante saber o nome
para entabular conversa com este pequeno homem , franzino, olho verde bem vivo, sem dentes.. . o  que dificultou a minha audição,  e 71 anos idade. Parecia ter 80.
Dia 1 de Janeiro, concelho de Odemira, uma paragem obrigatória para resolver assuntos  e o meu vício pela fotografia.
Achei piada ao enquadramento do seu lazer acompanhado de um saco de cigarros partidos em metades e de uma cadelinha verdadeira e outros bichos em plástico.
Pedi para fotografar de longe. Um afirmativo feliz.
Aproximei-me. Apresentou-se como guarda reformado da Mondetti, no Montijo. Com 30 mil contos no banco… Só em nome dele, pois os filhos não querem saber dele para nada. No banco, ao terem feito o reparo de ser o único titular da conta, afirmou que o dinheiro em  questão  de morte ficaria para o estado.  “ os filhos não querem saber de mim para nada”… “com o asilo já me acertei com um terreno que doei”…
Fiquei aflita e disse-lhe. “ó homem , não deve dizer que tem esse dinheiro no banco”…
“digo pois, tenho lá 30 mil contos … e para o estado, mas se me apetecer vou lá buscar 40 ou 50 contos”…  Os euros, não são o seu mundo como o de muita gente.
Perguntei se vivia sozinho. Já por lá tinham passado umas velhotas…” e,  há umas na aldeia que estão mortas por fazer companhia… “ A última companheira roubou-lhe a dentadura com dentes de ouro… Alguns  terrenos à nossa vista são do senhor “olho vivo”.
Perguntei se tinha televisão. Sim senhor, tinho tudo o que precisava no cubículo aonde me convidou a entra e a fotografar. Fi-lo meio  envergonhada mas não resisti…
Estava ali um mundo alinhado e irrepreensivelmente arrumado que era tudo o que lhe era necessário.


Frigorifico, televisão, cama, uma mesinha com tudo arrumadinho e os seus bonecos de plástico, num canto a cozinha e um  mosqueiro onde guardava a comida que no topo alinhava frutos diversos que insistiu que eu comesse.
Num chão de laje muito húmida só com um tapete aos pés da cama, enregelaram os meus pés por simpatia…  Fiquei horrorizada…  30 mil contos no banco e um chão de pedra molhada…
Mas das paredes, que de despidas só tinha as mulheres de calendário que forravam as mesmas, imanava o calor que este senhor X  não se cansava de repetir… “Aqui    tenho tudo o que preciso, mas á noite deito-me sozinho como um cão”….
E, veio-me á memória o filme de Fellini, AMACORD…. “ QUERO UMA MULHER”…
É ASSIM O ALENTEJO OU O CONCELHO  ONDE MAIS GENTE SE SUICÍDA, O DE ODEMIRA.

4 comentários:

ERA UMA VEZ disse...

Anamar minha amiga

Esses são os mistérios das terras "de dentro" onde a vida nos surpreende...
Na minha infância, a ruralidade era uma certeza uma vez por ano. Algumas centenas de quilómetros abaixo moravam os meus avós. Sem luz, sem água,mas muitas galinhas, porcos, um burro, um macho uma mula,um carro que eles puxavam para levar donos à missa e visitar parentes. Terras de cultivo,uma nora, alpendres, oliveiras, alfarrobeiras e amendoeiras, as últimas, sem dúvida, as jóias da coroa.

E uma das conversas de Primavera andava à volta de "Esta ano há amêndoas???"
Sim, porque fazia toda a diferença. Já na altura era um produto bem pago mas nem todos os anos a coisa acontecia. A alternância não era certa. Caprichosa. Mas quando era ano de amêndoa, guardava-se dinheiro,os colchões engordavam, o amor era mais prazeiroso e a nossa "notinha"(a dos netos) era maior e os sorrisos sem dentes mais escancarados.
Ali o ritmo das estações e das tarefas não se confundia.

Ouvia-se os crescidos falar das colheitas, dos casamentos, dos filhos que tinham ido estudar para Faro, do comerciante de frutos que se seguravam demais nos preços...e inevitavelmente de "enforcamentos" de quem ficava sózinho.
E tudo parecia normal. Tão normal como as pequenas/grandes fortunas que se escondiam ou que jaziam no Banco, não para "adquirir coisas" para se contemplar. O papel do Banco ou a caderneta era um troféu,venerado como as fotos de família, consolo e prémio, porque o gozo era ver o número crescer e ficar gordinho como o porco do quintal...Comprar? O quê? Já tinham tudo.

Pelo que conta, não mudou muito a realidade que eu conheci porque a definição da felicidade é vasta, eterna e surpreendente.

Misterioso continua a ser o momento da decisão em que "os homens" precisamente "eles" vão buscar o baraço e o penduram na trave...
(Dizia-se por lá à boca pequena que era por causa da "prosta")

Levei muitos anos para perceber...



anamar disse...

ERA UMA VEZ,
bom dia e bom ano,amiga, com nome , a Isabel. Mais íntimo.

Gostei da sua estória de "vidas" que neste Portugal rural tantas estórias destas tem que se nos colam à pele.

Por isso, se me permitir, mais logo vou fazer um post com o seu texto qe tanto vai enriquecer este MAR À VISTA.

Abracinho amigo

ERA UMA VEZ disse...

Querida Ana

É sempre uma honra para mim...
Muito grata.

Mar Arável disse...

Excelente a foto que partilhaste

com palavras
A vida a preto e branco