quarta-feira, 29 de junho de 2011

Festas populares (fim). S. Pedro


SÃO PEDRO

Tu que Diabo?, és velho.
És o único dos trez que traz velhice
Ás festas. Tuas barbas brancas
Têm comtudo um ar terno
A que o teu duro olhar não dá razão.
Parece que com essas barbas brancas
Por um phenomeno de imitação
Pretendes ter um ar de Padre Eterno.

Carcereiro do ceu, isso é o que és.
Basta ver o tamanho d'essas chaves -
As que Roma cruzou no seu brasão.
Segundo aquele passo do Envangelho
Do "Tu és Pedro" etcetra (tu sabes),
Que é afinal uma frude
Meu velho, uma interpolação.

...
...

Nas ruas
O povo anda com alegria,
É fé,
Não em ti nem nas barbas tuas
Mas no que a alegria é.

Olha, acabei.
Que mais dizer-te, não sei.
Espera lá, olha
Roma, fingindo que viceja,
Lentamente se desfolha.
Teu último gesto seja
Um gesto volvente e mudo.
Se tens poder milagroso,
Se essas chaves abrem tudo,
Deixa esse ceu lastimoso.
Deixa de vez esse ceu,
Desce até à humanidade
E abre-lhe, enfim no mundo gesto teu,
As portas do Inferno, e da Verdade.

De Fernando Pessoa, in Os Santos Populares


(resolvi manter a ortografia da época patente no poema, 1919 )

1 comentário:

mfc disse...

Olha o meu S. Pedro!!