quarta-feira, 29 de junho de 2011

Festas populares (fim). S. Pedro


SÃO PEDRO

Tu que Diabo?, és velho.
És o único dos trez que traz velhice
Ás festas. Tuas barbas brancas
Têm comtudo um ar terno
A que o teu duro olhar não dá razão.
Parece que com essas barbas brancas
Por um phenomeno de imitação
Pretendes ter um ar de Padre Eterno.

Carcereiro do ceu, isso é o que és.
Basta ver o tamanho d'essas chaves -
As que Roma cruzou no seu brasão.
Segundo aquele passo do Envangelho
Do "Tu és Pedro" etcetra (tu sabes),
Que é afinal uma frude
Meu velho, uma interpolação.

...
...

Nas ruas
O povo anda com alegria,
É fé,
Não em ti nem nas barbas tuas
Mas no que a alegria é.

Olha, acabei.
Que mais dizer-te, não sei.
Espera lá, olha
Roma, fingindo que viceja,
Lentamente se desfolha.
Teu último gesto seja
Um gesto volvente e mudo.
Se tens poder milagroso,
Se essas chaves abrem tudo,
Deixa esse ceu lastimoso.
Deixa de vez esse ceu,
Desce até à humanidade
E abre-lhe, enfim no mundo gesto teu,
As portas do Inferno, e da Verdade.

De Fernando Pessoa, in Os Santos Populares


(resolvi manter a ortografia da época patente no poema, 1919 )

Quando fez 25 anos de trabalho...




.... recebeu algum relógio de ouro?


Eu, nem um galinho de Barcelos, dos mais pequeninos...


Não gostei de ler que a Câmara de Almada gastou 168 mil euros em relógios e medalhas para distribuir aos funcionários com 25 anos de trabalho.


Lembro-me deste gesto, em empresas privadas e talvez estado (?) no tempo do" velho senhor" e era um mérito.


Agora, nos tempos que correm e com os amigos autarcas de Almada, é indignação. Isso só podia acontecer aos "outros".


E, veio-me à memória uma observação que ouvi há longos anos numa das minhas regulares viagens de avião e acertiva. Quando o avião aterrou, as pessoas bateram palmas. Comum, pois o medo ainda contagiava mais gente nessa época. Hoje "voar" é vulgar.

O meu companheiro de viagem, penso que funcionário da Comunidade, virou-se para mim e disse: - Porque hei-de bater palmas? Quando acabo o meu trabalho ninguém me aplaude.

E assim é. Há tantas formas de trabalhar a autoestima dos funcionários, o mérito... Mas à conta do nosso erário não dá jeito nenhum...








Os tempos eram outros

Escolhi a Grécia, porque sim... não se lhe pode fugir




"Dois gregos estão conversando: quem sabe Sócrates e Parmênides.
Convém que nunca venhamos a saber seus nomes; a história, assim, será mais misteriosa e mais tranquila.
O tema do diálogo é abstrato. Aludem por vezes a mitos, dos quais ambos descrêem.
As razões que alegam podem ser ricas em falésias e não atinam com um fim.
Não polemizam. E não querem convencer nem ser convencidos, não pensam em ganhar ou perder.
Estão de acordo num único ponto; sabem que a discussão é o não impossível caminho para chegar a uma verdade.
Livres do mito e da metáfora, pensam ou procuram pensar.
Nunca chegaremos a saber os seus nomes.
Essa conversa de dois desconhecidos num lugar da Grécia é o fato capital da História.
Eles esqueceram a súplica e a magia. "




    ( 1ª imagem Sócrates , 2º imagem Parmênides)




In,atlas, Jorge Luís Borges com Maria Kodoma, numa viagem que fizeram pelo mundo e onde partilharam com alegria e com assombro o tesouro de sons, de idiomas, de crepúsculos, de cidades, de jardins e de pessoas, sempre diferentes e únicas.

Companhia das Letras

terça-feira, 28 de junho de 2011

Hoje, falou-se de poesia... ela anda sempre por aí

"...E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:

vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,

vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;

mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;

mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;

mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."

Poema de João Cabral de Melo e Neto
Pintura de Menez, 1987

segunda-feira, 27 de junho de 2011

"Dancem, dancem ou estamos perdidos"...


Falei aqui no filme de Wim Wenders quando saiu, mas só hoje o vi, em 3D.
Desejo-vos a minha sorte, se ainda não foi caso disso, eu, "baushiana" confessa. A arte salvadora dos espíritos mais ou menos atormentados ou simplesmente bem com a vida.~
Que este video vos faça esquecer o outro... Não é novo, mas sempre importante. E, lembrará aos mais distraídos, que os há, o que nos espera para breve. Os mais desatentos também não passam por aqui, mas que os há, há. E dói-me.

(desculpem lá, o vídeo anterior ficou abaixo do poema "Lembrete", já estava lançado... )

domingo, 26 de junho de 2011

"Lembrete"





Se procurar bem, você acaba encontrando
não a explicação (duvidosa) da vida,
mas a poesia (inexplicável) da vida.

Carlos Drumond de Andrade, in Corpo, Novos Poemas






Pintura de Mary Cassat, Childreen on the Beach,1884

"austeridade, o sofrimento após a crise"

Lisboa Antiga

Olhares... Bom domingo











































Fotografias expostas em paredes de rua, num tributo
feito por uma moradora da freguesia aos velhos

moradores da "Lisboa de outras eras", até que o tempo, esse escultor, o permita.








































Só toca guitarra quem tem unhas, logo há que afiá-las... Lisboa e as suas memórias, passadas e presentes. Momentos de ouro pelas freguesias da cidade. Hoje, freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço, Mouraria.




(clicar em cima das fotos para aumentar)



sexta-feira, 24 de junho de 2011

Santos Populares (continuação)




(...)
(E) foi então que, para te vingar
E à maneira de santo, os arreliar
Desceste mansamente à terra
Perfeitamente disfarçado
E fizeste entre os homens da razão
Um milagre assinado,
Mas cuja assinatura se erra
Quando em teu dia, S. João do Verão,
Fundaste a Grande Loja de Inglaterra.
Isto agora é que é bom,
Se bem que vagamente rocambolico

Eu a julgar-te até católico,
E tu sais-me maçon.
Bem, aí é que há espaço para tudo,
Para o bem temporal do mundo vario.
Que o teu sorriso doure quanto estudo
E o teu Cordeiro
Me faça sempre justo e verdadeiro,
Pronto a fazer falar o coração
Alto e bom som
Contra todas as fórmulas do mal,
Contra tudo que torna o homem precário.
Se és maçon – eu sou templário.

Esqueço-te santo
Deslembro o teu indefinido encanto.

Meu Irmão , dou-te o abraço fraternal.

Fernando Pessoa

Noite de S. João...

S. João, de Ronaldo Mendes, pintor naif
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Noite de São João

Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.

Alberto Caeiro

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Hora de calor... dizem


Esculturas de Duane Hanson (1925-1996)

Poeminha (Bem) Moderato

Hora de beber; parcimonia,
Hora de falar; discrição,
Hora de comer; continência
Hora de amar - (muita) atenção.


De Millôr Fernanndes - Poemas -

quarta-feira, 22 de junho de 2011

"Sob o signo da denúncia"





Georges Grosz




Circe e Caféhouse, 1927




Passar por aqui, ver e não perder.. Exp. CCC (clicar)







Coisas do solstício ou dos homens...








Notre Dame du Sablon



Fiquei satisfeita com o resultado de ver uma mulher bonita e inteligente a presidir a nossa AR . Não fico normalmente frente à T.V. a ver escurtínios, sobretudo se forem deprimentes e pouco "nobres"... mas ontem, porque aconteceu, deixei-me ficar.



Dizem que as mulheres ficam bonitas quando bem amadas e desejadas. E, assim aconteceu ontem com Assunção Esteves. Um desejo coletivo, uma escolha acertiva que para mim "branqueou" a anterior e elevou a luta das mulheres.



E, a um tempo passado e comum, no "pays plat", um prazer nos era habitual ... o velho Sablon, as esplanadas ensolaradas quando era caso disso, com o chocolate ou a velha Leffe tanto do meu agrado.





Coisas do solstício que dão mais brilho à vida.






domingo, 19 de junho de 2011

Momentos de ouro... com cheirinhos "abençoados"...







(clicar para aumentar as pinturas)


O Cabo Espichel é um lugar mágico aonde nas suas ruínas encontro beleza. Há um abandono que nos conduz a um céu que induzo de celestial. De lá, vejo o meu lado, a outra banda, e quando estou do meu lado, e se vê o Cabo Espichel, a olho nu, limpo, dizem os antigos que é sinal que vai chover... E , às vezes assim acontece...



Surpresa! A igreja está recuperada e linda... fotografei à má fila, em "pecado", pois vim a saber que é proibido. Tem horário de momumento nacional. Não percam.

"Passos da memória"





Há 25 anos, nós eramos assim... Agora , só continuamos mesmo grandes amigas, eu e a Virita...



Acontece, que por aqui, entre nós, a solidão nunca acontece... Só a desejada. E ontem foi dia de convívio,entre os ateus confessos e amigosa que nos juntámos ,os católicos de Alcabideche , para uma peregrinação histórica que se realiza de 25 em 25 anos, pois faz parte de um convénio em que a Senhora do Cabo percorre vinte e cinco freguesias de vários concelhos, vai ao Cabo Espichel, com cerimónia religiosa para quem a deseja e volta para a freguesia seguinte. Ontem foi uma peregrinação preparatória, para angariar fundos, como uma "Senhora" de faz de conta, pois a do Cabo está neste momento numa igreja de Sintra e só a 17 de Setembro faz a viagem de regresso a Alcabideche por mais um ano. (história, aqui) .


Aí será a verdadeira santa a entrar na peregrinação.
Eu fiz esta "viagem" há 25 anos. Divertida pelas iniciativas que se desenrolaram à sua volta. Desta vez repetimos pelo prazer e magia do Cabo Espichel e pelo piquenique que se adivinhava. A rematar, umas tortinhas de Azeitão da casa do Cego e a beleza da região...
E, depois, não digam que não há momentos de ouro...

sábado, 18 de junho de 2011

Bom fim de semana ... com alguns momentos de ouro


Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só irá assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos era reservar apenas
para ela o seco sóbrio simples nome de mulher



em vez de dizer mulher(...)



RuyBelo «Na morte de Marilyn» , in Todos os Poemas



E ainda...

" O desejo de a fotografar deve ter começado há muito tempo atrás. Era simplesmente a semente de uma ideia à espera do seu tempo. Agora, em 1962, tinha suficiente confinça e respeito por mim próprio como fotógrafo para enfrentar. Tornara-me já mestre na minha arte - a de ver -
e estava á altura da sua mestria de ser vista.
Era o momento certo. "

Bert Stren,1962
Exposição que vai até17 de Julho e a não perder de todo.

Para hoje, que é fim de semana, uma estória...









"O diabo fala quase sempre numa língua só dele, chamada diabolês, que ele vai inventando à medida que precisa.Mas, quando está muito zangado, fala bastante mau, embora quem já o ouviu diga que tem um sotaque igualzinho ao da da gente de Dublin."






Esta incursão pela Irlanda e pelos Irish Pubs.. deu-me a oportunidade de contar uma estória de Joyce que fez e continua a fazer as delícias cá da casa numa coleção de livros escritos para crianças mas que faziam o encanto dos pais.. São clássicos da literatura mundial e a editora era a Contexto & Imagem. Ah! E por falar em Irish Pub, não precisa de ir para Lisboa... aqui no burgo, Cascais, há um delicioso e com vista de mar. Sempre...







O Gato e o Diabo






Villers-sur-Mer , 10 de agosto de 1936






Meu querido Stevie:
Mandei-te há dias um gato cheio de doces mas lembrei-me agora que, se calhar, tu ainda não sabes a estória do gato de Linda-a-Gente.
Linda-a-Gente é uma cidadezinha muito antiga que fica numa das margens do maior rio de França. Também é um rio muito largo, pelo menos para a França.








Em Linda-a-Gente é tão largo que, para o atravessar a pé, tinhas que dar, no mínimo, mil pessoas.
Antigamente, a gente de Linda-a-gente, quando precisava de atravessar o rio, tinha que ir de barco, porque não havia ponte nenhuma. E o problema era que nem eram capazes de construir uma, nem tinham dinheiro para a encomendar a alguém de fora.
Ora o diabo, que anda sempre a ler os jornais, ficou a saber deste triste caso; arranjou-see muito bem, e foi fazer uma visita ao Presidentenda Câmara de Linda-a-Gente, Senhor Colombo Queimado.
… Disse que era capaz de fazer a melhor ponte do mundo e que só demorava uma noite. O Presidente da Câmara perguntou-lhe quanto dinheiro é que ele queria para fazer uma ponte assim.

Nem um tostão disse o diabo, só quero para mim a primeira pessoa que passar na ponte,
Negócio fechado, disse o Presidente Câmara.
Anoiteceu. Toda a gente de Linda-a-Gente foi para a cama dormir.
Amanheceu. E quando as pessoas puseram o nariz fora da janela, exclamaram todas:
Santo Deus, que ponte tão boa!
Porque viram uma poderosa ponte de pedra a unir as duas margens tão afastadas daquele rio tão largo.
Toda a gente correu para a ponte e olhou para o outro lado. Ali, na outra ponta da ponte, estava o diabo, à espera do primeiro que atravessasse. Mas, com medo do diabo, ninguém se atrevia atravessar.
No momento em que o Presidente da Câmara chegou à ponta da ponte, todos os homens contiveram a respiraçãome todas as mulheres contiveram a língua.
O Presidente poisou o gato na ponte e, enquanto o diabo esfrega um olho, pás!, despejou-lhe o balde de água todo em cima.
O gato, que estava agora entre o diabo e o balde de água, também não levou muito tempo a decidir-se: deitando orelhas e anos p’ra trás, desatou a correr a toda a velocidade pela ponte fora, indo cair em plenos braços do diabo.
O diabo ficou zangado como o diabo. Gente de Linda-a-Gente! – berrou ele da outra ponte – não são gente nem são nada! São mas é todos uns gatos! Tens medo, meu bichaninho? Anda cá, que vens comigo p´ro diabo! Anda cá, Que vens comigo p´ro diabo!
Anda, vamo-nos aquecer os dois.


E pronto, foi-se embora com o gato.
E, desde então, a gente de Linda-a-Gente passou a ser conhecida como “os gatos de Linda-a –Gente”.
Mas a ponte ainda lá está e há sempre meninos a brincar, e a passear a pé e de bicicleta.


Espero que tenhas gostado desta história .
Vovô








(pena não poder partilhar os belos desenhos)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Joyce e o seu Bloomsday, dia16 de junho, pois...





Ver AQUI porque hoje é feriado na Irlanda e porque um pouco por toda a parte se festeja Joyce. Eu não sabia.


Traduzo assim S. Tomás de Aquino: há três coisas necessárias à beleza: integridade, harmonia e luminosidade. Correspondem essas coisas às fases da apreensão?
James Joyce

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Tango em Pintura

"Três amores e um ódio", assim aconteceu a Jorge Luís Borges







" Mas a tua é a voz da paixão em seu poder e glória
e ela inunda as palavras que pronuncias.
Como esquecer o que não cabia a nós ouvir?
Como esquecer tua voz de paixão,
quando vozes que outrora disseram "eu te amo" foram esquecidas
e a tua nos mantém na escravidão?"
Do poema A la Doctrina de Pásion de Tu Voz, escrito por Borges em 1927





Hoje, Carlos Barbosa, no seu Crónicas do Rochedo levou-me até Borges ... Não sou uma leitora profunda de Jorge Luís Borges, mas suficientemente curiosa da sua personalidade e vida. Sei que no Brasil já saiu uma biografia muito detalhada, escrita pelo britânico Edwin Williamson,(aqui) isto, passados 20 anos sobre a sua morte.
Ao contrário do que se pensavam a maior parte dos seus leitores, Borges era um homem permanentemente atormentado por paixões eróticas e políticas. O livro de Williamson ilumina aspetos pouco conhecidos desse gigante da literatura. Ele mostra que , imerso em um mundo de fantasia, Borges viveu ao longo da vida pelo menos duas paixões reais - dessas que, como diria Nabokov, abrem um clarão na vida e deixam marcas indeléveis na carne. Foram duas mulheres independentes para o padrão de suas épocas, Norah Lange e Estela Canto.Borges, um homem inábil para lidar com os próprios sentimentos, segundo o biógrafo , transparece esse sofrimento para a sua obra.
A vida de Borges é também marcada por um grande ódio, - o que nutria pelo ditador Juan Peron. Ao decompôr a vida do escritor pelo metro das suas paixões - dois amores intensos, um relacionamento de maturidade com Maria Kodoma, sua última mulher, e uma antipatia visceral.
Não nos podemos esquecer de Dona Leonor, mãe de Borges, que queria arranjar alguém para tomar conta do filho... mas isso fica para um outro episódio.






Pesquisa feita na revista BRAVO!de Abril de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

"António, rapaz de Lisboa"- 2 -




Desenho de Almada Nrgreiros

" António, rapaz de Lisboa"... - 1 -


Faz três anos que me iniciei na atividade blogueira e associo-a sempre a este “santo padroeiro” o” António Rapaz de Lisboa”.
Mal dominava as novas tecnologias quando o dono do blogue ANTREUS fez um convite a várias “personalidades” para colaborarem no seu blogue numa via socializante e de partilha. Cada pessoa escolheu o seu” nikname”, eu fiquei “anamar”, até hoje e para sempre.
Essa cooperação existiu prazeirosamente e desafiadora mas ao mesmo tempo fui sendo seduzida e ensinada pelo Antreus a criar o meu próprio blogue, “porque tinha jeitinho”, “sensibilidade” “," o prazer da pintura e da fotografia”, enfim todas as razões para me aventurar mais tarde neste MAR À VISTA que já trouxe mágoas e prazeres mas onde estes últimos são altamente superados. Vidas...
Mas vem esta pequena estória das minhas origens blogosféricas a propósito de uma das muitas escolhas para serem publicadas nessa altura… complicadas, porque longas, mas que fazem parte de um livro que adoro, que penso esgotado, Os Santos Populares, de Fernando Pessoa, com ilustrações de Almada Negreiros e Eduardo Viana, Edições Salamandra.

Mas ao fim de três anos, ei-la, a escolha , aqui postada. Vale a pena ler...


SANTO ANTÓNIO

Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!

Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.

(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)

Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.

Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vai tomar isso à letra?
Que de hoje em diante quem o diz se digne
Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.

Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a vêem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.

Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.

Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.

Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro título de glória,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido tais quando aqui andámos,
Bons, justos, naturais em singeleza, Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que há na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.

(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm beleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ...
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a manjerico.

És o que és para nós. O que tu foste
Em tua vida real, por mal ou bem,
Que coisas, ou não coisas se te devem
Com isso a estéril multidão arraste
Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem,
Essa prolixa nulidade, a que se chama história,
Que foste tu, ou foi alguém,
Só Deus o sabe, e mais ninguém.

És pois quem nós queremos, és tal qual
O teu retrato, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até que já te vi.

És este, e este és tu, e o povo é teu —
O povo que não sabe onde é o céu,
E nesta hora em que vai alta a lua
Num plácido e legítimo recorte,
Atira risos naturais à morte,
E cheio de um prazer que mal é seu,
Em canteiros que andam enche a rua.

Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António —
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo

Fernando Pessoa

sábado, 11 de junho de 2011

" Espírito de brasilidade"...

(sem título)



De Ismael Nery, Enseada de Botafogo, de 1928



Em tempo de comunidades , expressões e outras festividades e... porque gosto do Brasil e da continuidade da minha língua materna em forma de torrão de açúcar, uma nova descobreta, hoje na pintura. Um surrealista brasileiro, Ismael Nery, aqui (wikipédia) . Vale a pena ver mais quadros nas imagens do Google.